O DIÁRIO DE BRIDGET JONES (12 page)

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Authors: Helen Fielding

BOOK: O DIÁRIO DE BRIDGET JONES
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Por
isso, sempre que as coisas ameaçam sair do controle, eu agora
repito as palavras “equilíbrio interior” e fico me
imaginando, de vestido de linho branco, sentada numa mesa com um
vasinho de flores. “Equilíbrio interior”. Há
seis dias não pego num cigarro. Há três semanas
assumi em relação a Daniel um olhar de digna
superioridade, não mandei mais mensagens, não fiz
olhares, nem dormi com ele. Na última semana, contra a
vontade, só consumi três unidades alcoólicas,
fazendo concessão a Tom. Ele reclamou que sair à noite
com uma pessoa que acaba de largar os vícios era a mesma coisa
que sair com um molusco, uma ostra, ou qualquer um desses flácidos
seres marinhos.

Meu corpo é
um templo. Será que já está na hora de dormir?
Ah não, são só oito e meia da noite. Equilíbrio
interior. Aaah. Telefone tocando.

21h.
Era
meu pai, com uma voz estranha e enrolada, parecendo um robô.


Bridget.
Ligue a televisão na BBC1.

Mudei
de canal e quase morri de susto. Vi na tela uma chamada para o
programa de Anne e Nick, que, sentados num sofá, tinham entre
os dois uma imagem em destaque de um rosto de mulher: minha mãe,
toda emperiquitada e pintada como se fosse a chata daquela
entrevistadora Kati Boyle ou alguém do gênero.


Nick...
– chamou Anne simpática. E ele:


Agora
vamos apresentar nossa nova atração da primavera,
De
repente, solteira
,
problema enfrentado por um número cada vez maior de mulheres.
Continue, Anne.


Trazemos
para vocês, a incrível Pam Jones, nossa nova
apresentadora – disse Anne. – Ela própria enfrenta
a situação
De
repente, solteira
, e
está fazendo sua estréia na tevê.

Enquanto
Anne falava, a imagem de minha mãe descongelou e foi
aumentando na tela até substituir a imagem de Anne e Nick e
mostrar mamãe enfiando o microfone no nariz de uma mulher com
cara de ratinho.


Você
chegou a pensar em suicídio? – perguntou minha mãe.


Cheguei
- confessou a mulher-ratinho, começando a chorar. Nesse ponto,
a imagem congelou, diminuiu e ficou num canto da tela para mostrar
Anne e Nick no sofá de novo, com cara de velório.

Papai estava
arrasado. Mamãe não tinha sequer contado para ele do
emprego como entrevistadora de tevê. Ele parece não
estar acreditando, acha que mamãe está apenas passando
por uma crise de fim de vida e já percebeu que fez umas
bobagem, mas está com vergonha de pedir para voltar.

Quanto a mim, acho
que negar a realidade é uma saída. Basta que você
se convença de uma coisa e fique feliz da vida - desde que sua
ex-cônjuge não apareça na tela da tevê
iniciando uma nova carreira pelo fato de não estar mais casada
com você. Tentei fazer de conta que isso não era o fim
do mundo e que minha mãe podia estar pensando em voltar para
ele, dando assim um final inesperado para a série televisiva,
mas não funcionou. Pobre papai. Acho que ele não sabe
nada sobre Julio e o fiscal da Receita Federal. Perguntei se ele
gostaria que eu o visitasse amanhã, podíamos sair para
jantar num lugar simpático no sábado à noite e
talvez dar um passeio no domingo, mas ele disse que não
precisava, estava se sentindo bem. Os Alconbury vão oferecer
uma ceia à moda inglesa antiga, no sábado à
noite, em benefício da Associação Salva-Vidas.

TERÇA-FEIRA,
4 DE ABRIL
Resolvi
me esforçar para não chegar sempre atrasada no trabalho
e não deixar que a bandeja de coisas a fazer fique
transbordando na minha mesa, etc. Vou iniciar um programa de
auto-aperfeiçoamento, anotando minuciosamente o tempo gasto
para fazer cada coisa.

7h.
Me
pesei.
7h03
Voltei para a cama deprimida por causa do excesso de peso. Cabeça
ficou no pé. Não havia diferença entre dormir ou
levantar da cama. Pensei em Daniel.
7h30.
Uma fome insuportável me obrigou a sair da cama. Fiz café,
pensei em comer uma
grapefruit
.
Descongelei um
croissant
de chocolate
.
7h35
– 7h50.
Olhei pela
janela.
7h55
.
Abri o armário. Olhei para as roupas.
8h.
Escolhi uma blusa. Tentei achar a minissaia preta de lycra. Tirei
tudo do guarda-roupa procurando. Mexi nas gavetas e olhei atrás
das cadeiras do quarto. Procurei na cesta de roupas para passar.
Olhei na cesta de roupas para lavar. Saia sumiu. Fumei um cigarro
para me consolar.
8h20.
Passei uma escova dura e
seca (anticelulite) no corpo, tomei banho e lavei a cabeça
8h35.
Comecei a escolher a roupa de baixo. Como não tenho lavado
nada, as únicas calcinhas existentes na gaveta eram calções
de algodão branco. Horríveis de olhar, mesmo que só
para usar no trabalho (causam efeito psicológico negativo).
Voltei à cesta de roupas para passar. Achei uma calcinha de
renda preta superapertada e desconfortável, mas melhor do que
a imensa e horrenda calçona estilo vovó.
8h45
Experimentei uma meia-calça preta, opaca. A primeira que vesti
parecia ter encolhido: o meio das pernas ficava 10cm acima dos
joelhos. Peguei outra e vi que estava com um furo atrás.
Joguei fora. De repente, lembrei que estava com a minissaia de lycra
na última vez que voltei para casa com Daniel. Fui até
a sala. Vitória: achei a saia atrás das almofadas do
sofá.

8h55.
Voltei à meia. A terceira que experimentei estava com um
buraco no dedão. Vesti. O buraco se transformou num desfiado
que ia até o sapato. Fui até a cesta de roupas para
passar. Encontrei a última meia preta opaca, enrolada com
outras coisas. Desembaracei tudo e estiquei.
9h05.
Vesti a meia. Vesti a saia. Comecei a passar a blusa.
9h10.
De repente, percebi que meu cabelo estava secando num jeito
esquisito. Procurei a escova. Achei na bolsa. Sequei o cabelo. Não
ia ficar bom. Borrifei um pouco de spray e sequei mais um
pouco.
9h40.
Voltei a passar a blusa e descobri uma mancha enorme na frente. Todas
as outras blusas estavam sujas. Entrei em pânico por causa da
hora. Tentei limpar a mancha com um pano. Molhei a blusa inteira.
Sequei com ferro.
9h55.
Superatrasada. Desesperada, fumei um cigarro e li um folheto de
agência de turismo para me acalmar por cinco minutos.
10h.
Tentei achar a bolsa. Bolsa sumiu. Resolvi dar uma olhada na caixa de
correspondência para ver se chegou alguma coisa legal.
10h07.
Só chegou a conta do cartão de crédito, acusando
o não-pagamento da taxa obrigatória de manutenção.
Tentei lembrar o que estava tentando fazer antes. Voltei a procurar a
bolsa.
10h15.
Super-hiperatrasada. Subitamente, lembrei que estava com a bolsa no
banheiro quando fui procurar a escova e não encontrei. Acabei
achando a bolsa no meio das roupas do armário. Enfiei as
roupas no armário outra vez. Vesti a jaqueta. Pronta para sair
de casa. Não achei as chaves. Vasculhei a casa inteira,
enlouquecida.
10h25.
Encontrei a chave na bolsa. Percebi que esqueci a escova.
10h35.
Saí de casa.

Três
horas e 35 minutos entre acordar e sair de casa
- é tempo demais. No futuro, tenho de levantar assim que
acordar e fazer uma reestruturação completa no sistema
de lavanderia. Abro o jornal e leio que o acusado de um assassinato
nos Estados Unidos tem certeza de que as autoridades colocaram um
microchip
na bunda dele para monitorar seus movimentos, digamos assim. Fico
apavorada só de pensar num
microchip
desses na minha bunda, principalmente de manhã.

QUARTA-FEIRA,
5 de abril.
56,7kg,
5 unidades alcoólicas (culpa de Jude), 2 cigarros (tipo da
coisa que pode acontecer a qualquer um, não significa que
voltei a fumar), 1.765 calorias, 2 bilhetes de loteria.
Hoje,
comentei com Jude aquela história de equilíbrio
interior e, engraçado, ela disse que estava lendo um livro de
auto-ajuda sobre zen. Segundo ela, o conceito zen podia ser aplicado
a qualquer área da vida: zen e a arte de fazer compras, zen e
a arte de comprar um apartamento etc. Ela disse que é tudo uma
questão de Fluir, não de lutar. Se, por exemplo, você
está com um problema, ou as coisas não estão
andando, em vez de batalhar ou se estressar, você deve relaxar,
encontrar seu caminho no Fluir e tudo vai funcionar. Ela disse que é
como quando não se consegue abrir uma porta com a chave e a
pessoa fica forçando: isso só faz piorar. Basta retirar
a chave, passar manteiga de cacau, ir com jeito e eureca! Mas Jude
recomendou que não comentasse isso com Sharon porque ela
acharia pura besteira.

QUINTA-FEIRA,
6 de abril

Estava
no bar tomando um drinque calmamente com Jude e conversando mais a
respeito do Fluir quando percebi um vulto conhecido e bem-vestido
sentado num canto tranqüilo jantando: era Jeremy, marido de
Magda. Acenei para ele e, por um milésimo de segundo, percebi
uma expressão de horror que me fez olhar imediatamente para
sua acompanhante que a) não era Magda b) tinha menos de 30
anos c) usava um vestido que experimentei duas vezes na Whistles e
não levei porque era caro demais. Bruxa maldita.

Tinha
certeza de que Jeremy ia sair do restaurante dando um rápido
adeusinho tipo "Depois a gente se fala", mostrando que
somos dois velhos amigos e, ao mesmo tempo, que aquele não era
o momento para demonstrar isso com beijos e altos papos. Eu ia
deixar, mas depois pensei, espera aí! Magda e eu somos como
duas irmãs! Calma lá! Se o marido dela não tem
por que se envergonhar por estar jantando com essa vadia usando o meu
vestido, então vai me apresentar a ela.

Mudei
de trajeto para passar pela mesa dele, que, nessa altura, fingiu uma
acalorada discussão com a fulana, me olhou quando passei e deu
um sorriso firme e seguro, como quem diz "almoço de
negócios". Devolvi um olhar que dizia "Não me
venha com almoço de negócios" e saí, bem
empertigada.

Mas o que devo fazer
agora? Ai, ai, ai. Devo contar para Magda? Não contar? Ligar
para ela e perguntar se está tudo bem? Ligar para Jeremy e
perguntar se está tudo bem? Ligar para Jeremy e ameaçar
contar para Magda, a menos que ele termine com a bruxa do meu
vestido? Não me meter com o problema dos outros?

Pensei em zen, em
Kathleen Tynan e no equilíbrio interior, fiz uma espécie
de saudação ao sol, que lembrava de remotas aulas de
ioga, e me concentrei na roda interior até atingir o Fluir.
Então resolvi serenamente que não contaria para
ninguém, já que a fofoca é um veneno perigoso e
contagioso. Em vez disso vou ligar sempre para Magda, perguntar se
está tudo bem (com sua intuição feminina, ela
vai perceber) e então Magda me contará. E, através
do Fluir, se eu achar que devo, contarei o que vi. Não. As
coisas que realmente têm valor não são adquiridas
através da luta, tudo vem pelo Fluir. Zen e a arte de viver.
Zen. Fluir. Hum, mas então por que eu fui encontrar com Jeremy
e aquela fulaninha, se não por causa do Fluir? Ué, que
diabo significa tudo isso?

TERÇA-FEIRA,
11 de abril

55,8kg,
0 unidade alcoólica, 0 cigarro, 9 bilhetes de loteria (tenho
que parar com isso).
Parece
que está tudo normal com Magda e Jeremy; vai ver que era mesmo
só um almoço de negócios. Talvez a noção
do zen e do Fluir seja correta, pois não há dúvida
de que, fazendo relaxamento e sentindo as vibrações,
fiz a coisa certa. Na próxima semana, estou convidada para o
badalado lançamento de
A
motocicleta de Kafka
, no
bar Ivy. Decidi que em vez de ficar apavorada porque tenho de ir a
uma festa, ficar insegura até chegar lá e voltar para
casa chateada e deprimida, vou desenvolver minha
performance
social e minha auto confiança e Fazer as Festas Renderem
Frutos - como ensina o artigo que acabo de ler na revista.

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